sexta-feira, 20 de março de 2015

O FINAL FELIZ

    Minha coroa é torta; e meu coração vale por mil


Afinal
O Final Feliz
O tal final feliz


Eu sempre imaginei que um conto, bem contado, teria que ter um final feliz.

Com as pessoas fazendo tudo certinho e sendo felizes assim.
Como foi explicado no tradicional colégio de freiras. Como nos ensaios da aula de teatro. Para cada emoção um traquejo, um trejeito, um efeito. Imediata ação. Imediato reconhecimento. E no ballet, então? um passo e um compasso. No adágio ou na polca, o clímax dos inseparáveis pares.
Na tela e nas páginas, no final feliz o casal fica junto.  A gente envelhece com charme. Fica um coroa enxuto, malhado, saudável, culto, descansado, com dinheiro no banco. Realizado. Faz coisas legais, juntos.  E nos filmes?  Os órfãos são adotados, a guerra acaba, os heróis sobrevivem, esfarrapados, sofridos, vitoriosos. O desempregado arruma trabalho, e a doença se cura. E se não curar tem velório, mas é uma cena linda, amplo gramado, flores, familiares elegantes. Leitura de testamento. Tudo organizado.

Para o pecado, o castigo. Para a injustiça, a vingança. Para a realeza destronada, a Coroa.

Ora pois, caríssimos, a vida não é bem assim.  Assim é irreal. Assim é Monteiro Lobato, é Agatha Christie. Assim é Janete Clair.

Estou mais para Dias Gomes e Nelson Rodrigues. A vida é inexata, é irreverente, é desorganizada. E e é linda em sua assimetria, em seu encaixar e desencaixar.  Em seu chaqualhar.

A minha coroa da felicidade, caríssimos, é meio torta, repararam? Devo esta irregularidade a meu sangue napolitano; saí aos meus e vivo a maledeta. Se preferirem, como dizem os franceses, je suis à gauche. Por isso custei a adequar-me, ao mundo, e a mim mesma.

Estou fora do molde, sempre estive, sempre estarei. Maior para cima e para os lados. Maior por dentro, que meu coração é a melhor parte de mim e vale por mil. Menor no egoísmo, menor na mágoa, menor no medo, na pressa, menor na raiva. Maior na fé. Menor na solidão. Maior na aceitação, principalmente aceitando a mim. Solta, solta, solta pelo perdão.

A cada dia me liberto mais. A cada dia me comprometo menos. Eu me desprendo. A cada dia olho no espelho e me vejo diferente de mim, do que fui, do que quis ser. Que bom que é  perdoar-me por ser diferente do que quis e do que quiseram para mim. Que bom que eu escolhi meus caminhos, tortos, esquisitos, mas eu os escolhi e os sigo. Torci o nariz para o caminho mais fácil; não  me levaria a lugar algum. Era um círculo disfarçado. Sou feliz porque não aceitei a escravidão. Por que não me vendi, não me corrompi, não me enganei. Eu me desculpei e parti.

Aprendi a desculpar as criaturas que me feriram, por amor, por dor, por medo, por quem eu fui, por quem eu sou; por temer quem eu poderia ser. Aqueles que nada me fizeram, mas eu cismei que fizeram.  A cada dia eu esqueço um erro que cometi. Esqueço os motivos, esqueço a razão. Esqueço o passado, e reescrevo um novo final, para uma história que recomeça todo dia.

Hoje, caríssimos, é um dia muito especial. Eu reencontrei-me; e assim sendo, para representar-me, como Narciso diante de seu reflexivo lago, eu reencontro um ex amor.

Confessêmos: ex-amor é lenda. A gente sabe que existe, queria que existisse, mas nunca se vê. Visto, é amor. Amor é amor, muda de ano, muda de nome, muda de endereço, muda de corpo. Amor é para sempre, como o velho livro da infância que não damos nem emprestamos. Que lemos e relemos e pensamos que esquecemos (engano!) até que um dia, em uma gaveta, está lá: reencontramos. E nos emocionamos.  Olhos cerrados, ao aspirar o cheiro, reler as linhas, apreciar as ilustrações. Abraçamos o livro ao peito, suspiramos, podemos até lê-lo novamente. Voraz ou lentamente. Vamos rir das mesmas passagens e chorar nos mesmos parágrafos. Vamos descobrir detalhes antes não vistos.

Podemos até escrever mais alguns capítulos, agora que crescemos, que mais sabemos. Agora que temos um blog.

Este é o meu final feliz.

Criatura torta que sou,  não é final, não é recomeço, não é pausa. É um momento tinindo no ar, momento de choro, de alegria, de esperança. É o livro que reabro.

Felicidade é a senha.

Tente.




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