quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Papo Reto

Metrô
Do Flamengo
a Ipanema



                                                                          Vamos papear
                                  

Eu vinha de metrô,
muito distraída de mim.
Mas duas senhoras, confortavelmente instaladas em bancos paralelos,
- e eis aí um desafio à geometria, que afirma que os paralelos não se encontram-
estavam também distraídas de mim e do resto do mundo,
e atentas uma a outra
(portanto a atenção faz o encontro) 
puseram-se a papear.
E contaram sua vida no breve espaço entre o metrô Flamengo e a Praça General Osório.
Entre uma estação e outra,
entre os avisos gravados e apitos,
entre o ir de vir de estranhos,
elas prosseguiram.
Nada as interrompia.
Sei que uma é mãe, a outra não quis filhos;
mas cuida de seus pais idosos, que viraram seus filhos.
Sei que uma é muito feliz no casamento,
a outra aprendeu a viver com marido e sem amor.
Uma disse que tudo é exercício de carinho
(achei bonito isso)
A outra disse que tem muita conveniência no mundo.
Houve um silêncio triste.
Falaram de adoção de crianças e de cães
De responsabilidade e de abandono.
De liberdade e de culpa.
De escolher sempre que possível,
e aceitar o impossível de escolher.
Falaram de amizades verdadeiras,
que valem mais que amores falsos.
Falaram de casar, de não casar, de casar e separar,
de casar e amar, de casar e desamar.
De suportar.
Falaram de patrão e de empregada
De síndico e delegada.
Ouvi até que uma tem um amante.
(meu ouvido é bom)
É, é amigo de seu primo
ou primo de seu amigo
ou talvez ainda primo do amigo do primo,
não sei direito, mas sei que ela disse que ele a faz feliz,
e que com ele passa as melhores horas de sua vida.
Ela mente para o marido frio, dizendo que vai ao dentista,
Mas não vai não.
(Pelo menos não na hora que diz que vai.)
E acrescentou que é um ótimo álibi - o celular fica desligado,
porque ninguém pode atender o telefoninho danado
se está anestesiado.
Assustei-me com sua coragem em confessar ou inventar assim, uma traição,
em público,
para uma estranha.
ao meio dia e meia,
no metrô de Ipanema.
(às vezes é mais fácil confiar nos estranhos)

Quem quis ouvir, ouviu, e quem não quis, ouviu também.
Pensei em Glorinha Khalil, a chic Glorinha,
que disse que ser chic é ser discreto: não insinuar, não perguntar, não inquirir, não revelar segredos,
Manter-se neutro e respeitoso.
Não fui chic não. 
Guardei cada palavra e conto aqui
(nem sempre é possível, Glorinha!...)
Intrigada que fiquei com nosso espírito brasileiro
E nossa vontade de compartilhar, debater e reafirmar
nossa opinião junto ao outro.
Precisamos expor o que sentimos,
Seja para termos apoio, e para gerarmos vínculos e afinidades,
Seja para chocarmos e ferirmos,
o que também não deixa de ser um vínculo.
(vinco= marca; o que marca mais que uma palavra dolorida?)
E no fim das contas, Glorinha, somos todas mulheres faladeiras,
mulheres brasileiras.

       - Temos muita vida a viver e não temos mesmo muita etiqueta.








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