sexta-feira, 1 de junho de 2012

O Grupo ao Lado

Rio de Janeiro
Com licença, é a terra da confraternização



O grupo ao lado


"Mesa de Bar", obra de Flory Menezes, em exposição na Mundo Interior.
Belo exemplo de arte, e de convivência pacífica na boemia


Somos cariocas, somos receptivos, somos comunicativos.
Muito que bem.
Mas precisamos aprimorar nosso comportamento social. Ter mais educação.

Caríssimos, a coisa está feia. Não sou de reclamar, tampouco de calar. Digo porque vi, ou melhor,  porque quase não vi.

Explico. Lá fui eu, animada e feliz, assistir um gordinho querido - Arlindo Cruz - tocar seu samba de primeira no Teatro Rival. Ai que bom. Samba, Arlindo, Rival. Chegamos, sentamos, muito adequadamente vestidas e comportadas, com a alegria que o samba pede e o decôro que a vida impôe. Prontas para um sambinha discreto.

Houve uma conspiração. Uma sabotagem. Tinha o grupo da mesa ao lado. Cinco moças e dois rapazes. Puxaram conversa conosco. Educadamente respondidos e ignorados, visto que o assunto não era interessante e o momento era inconveniente; 22 músicos tocavam tamborins, trombone e cavaquinhos no palco e Arlindo soltando o seu cantar, isso lá é hora de conversa fiada? Seguiram entre si, cada vez falando mais alto para que se ouvissem, e para que os demais pudessem opinar, se necessário fosse.  Pediram baldes de cerveja. Mais. Levantaram-se. Saíram e voltaram com um fedor de cigarro. Requebraram com vontade. Encurralaram-nos. Ficamos espremidas entre o grupo da mesa ao lado e o alambrado do mezzanino do Rival. Pavor.  Cotoveladas, empurrões, trancos, teve de um tudo. Confidenciavam situações íntimas, aos gritos. Fiquei sabendo que a lourinha de cabelo chanel foi traída em praça pública; a mais baixa, de rabo de cavalo, referia-se a alguém como filho de distinta senhora. Repetiu que ia se vingar. O rapaz ouvia, concordava, ria, tinha planos para dividir com o grupo e podia colaborar. Uma terceira moça opôs-se firmemente. Surgiu outro rapaz, abrindo caminho com o peso de seu corpo, para participar do debate e promover conciliações. Na sequência, organizou o pessoal para fotos. O grupo de costas para o palco, por minutos e minutos sem fim. Distribuíram flashes, risos e palavrões, além de sacudidelas nos próximos. Eu levei uns três bons empurrões, um chute caprichado e uma cabeçada. Perguntei às minhas amigas se a expressão "com licença" fora banida do português na reforma ortográfica. Afirmaram que não, são ladies de ilibada reputação, quero acreditar nelas, mas está difícil.  

O pior está por vir. Uma moça do grupo, morena, bem jovem e eufórica, tira os sapatos. Braços abertos, em uma das mãos o par de sapatilhas. Na outra um copo de cerveja.  Embaixo dos braços dela, esta que vos fala, apavorada, imaginando que tomaria um banho de cerveja e uma surra com aqueles sapatos.

Levantei-me. Chegou desta história. Vim ver Arlindo Cruz e não é o grupo da mesa ao lado que vai me impedir. Tenho 1,70m,  e de saltos altos passo de metro e oitenta. Carrego meu coração mole escondido sob estrutura física resistente, e decidi enfrentar a mocinha. Empertiguei-me e defendi meu pequeno território, ali reduzido à uma cadeira. Nada. Fui uma mosca. A moça gritava em direção ao palco, e seu brado retumbante ecoava em meus ouvidos:  " - Ogum! Ogum!". Pensei: " - Vai incorporar, meu Deus."  Rodopiava. Incorporou. 

Incorporamos, ela e eu. Ela ficou lá com sua pomba gira de frente, e eu desci, para o bar, para o ar livre, para uma tranquilidade inacreditável na Rua Álvaro Alvim, centro do Rio de Janeiro, um paraíso de paz, incorporada por imenso alívio. Comprarei um cd de Arlindo, ele há de me perdoar.


Arlindo Cruz, em click de Flavia Metne

Um comentário:

  1. Só posso concluir que a mistura de Ballantine´s com cerveja não é das melhores quando aliada à falta de berço e de compostura.
    Adorei o post! Deu leveza ao episódio tenso. Digo porque também vi...

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