quinta-feira, 7 de junho de 2012

Obsessão

Cardeal Verde e Amarelo
Reto
em Arco
Cardeal ArcoVerde


Obsessão
Teatro Glaucio Gil
Praça Cardeal Arcoverde, Copacabana
De sexta a domingo, 21 horas

 

  Celso Taddei. Ana Baird, Antonio Fragoso, Carla Faour, e Daniel Belmonte.  Texto de Carla Faour, a partir do site dramadiario.com. Direção: Henrique Tavares
 Foto: Divulgação


" O texto nasceu em um site chamado Drama Diário. Desde 2008, sete dramaturgos publicaram cerca de 500 textos. Em 2011, o site foi reformulado e os autores optaram pela continuidade. Eles estão escreveram sete histórias, publicando um capítulo por semana. As visitas ao site triplicaram e a participação dos internautas aumentou consideravelmente, com o envio de sugestões e comentários" (divulgação)



A  vida como ela é, ou melhor, como não devia ser.
As mulheres como são. Somos malvadas. Somos insatisfeitas, insaciáveis, vingativas. Roubamos e seremos roubadas.
Os homens como são, e não deviam, ah, não deviam. Bobos para umas coisas, hábeis para outras, e vivendo sem maiores questionamentos éticos.  Prontos para agir e reagir.

As protagonistas da peça, Livia  (Ana Baird) e  Marina (Carla Faour)  foram traídas mutuamente pelo amor que sentiram pelo mesmo homem. A amizade foi trocada sem remorso pelo amor de Marcelo (Antonio Fragoso).
Partindo desta afirmativa, verificamos que... ôps!... A afirmativa está errada. Não são protagonistas de uma encenação teatral, personagens de ficção. São o retrato vivo de muitas mulheres independentes e pensantes. Traídas? Não. Uma única traição. As seguintes foram  vinganças bem planejadas. Amor? Rá Rá Rá. Amor não é nada disto. Homem? Que homem?  Um pastel, um belo pastel.  Um homem absolutamente comum, endeusado pela paixão alheia, que atribuí-lhe características e qualidades que só a  pura generosidade do amor pode enxergar. Ele não é inteligente, não é sedutor, não é articulado, não é sexy. Mas foi escolhido por essas adoráveis malucas para sê-lo.

A peça derruba, a machadadas, os conceitos do amor e da traição. Caríssimos, vamos rever o que entendemos por amor. Posse não é amor. Sexo não é amor. Disputa não é amor. Esses sentimentos estão mais para compulsão que para amor. A gente inventa um amor para levar décadas afora, como vício, como hábito, como obsessão. Dependentes do amor, roubamos, mentimos, armamos. Tudo para termos nossa droga e saboreá-la. No instante seguinte, já não basta uma dose. Precisamos de mais.

Exagero? Que nada. O espetáculo parte de um trabalho coletivo de produção de textos, e infalivelmente repete no palco cenas reais. Vamos identificar aquele casal do clube. Aquele outro, que conhecemos na faculdade. Os amigos de infäncia. Nossa, foi assim com a madrinha do Fulano. E assustador, vamos nos reconhecer aqui e ali, em uma palavra solta, ou presa; em um gesto passional, ou premeditado. Em um beijo roubado.

A trilha sonora é o sexto ator do elenco.  O som alto dos Mutantes na voz rebelde de Caetano Veloso; Rock e tango ao mesmo tempo. Sim. As relações de Obsessão são rock e tango, rebeldia, liberdade e tragédia. São reais. Podem acontecer aqui comigo, e aí, com o caríssimo e confortavelmente bem instalado leitor. Ninguém neste mundo está livre de amar assim, com teimosia, com insistência, com cisma. De acreditar piamente que é amor, mas está a léguas disto.  Ninguém está livre também, de viciar-se neste falso amor, e fazer dele seu pensamento fixo, sua única escolha, presente nos livros lidos e escritos, nas músicas cantadas, nas roupas escolhidas. Lembrei-me de Bucowski, que nos explicou que o amor é um preconceito - se conhecèssemos outras pessoas, as amaríamos mais e melhor que esta, mas como não conhecemos outras pessoas, amamos esta aqui mesmo.

Além da perfeita escolha de um tema extremado como este,  a peça conta com uma direção que misturou drama, comédia e suspense, com maestria,  e com elenco de primeira.  Estão ótimos, cada um em seu estilo. A má é má, a boa é boa e torna-se péssima, o galã bocó é bocó.  Os dois papéis secundários são tão bem compostos e  interpretados, e tem funções definitivas no enredo; cada detalhe de suas personalidades é definitivo para o desfecho final. Alternam-se os cinco intérpretes como atores e narradores, em gestos precisos, cortantes, não há nada suave na interpretação deles, e nem poderia. Estão em total sintonia com o ritmo acelerado da compulsão de amar, e Faour acertou na mosca com as palavras que escolheu. Perfeitas palavras para os loucos sentimentos em questão: apaixonar-se, casar, trair, separar, cair mais uma vez em tentação, manipular, querer, querer, querer.  Cada ato tem uma consequëncia cênica, e uma emenda lógica e inesperada. A cada passo dado, a cada telefonema, a cada beijo, a cada brinde, o círculo se compõe, e se fecha. Estão presos,  e caminham enjaulados, entre as fronteiras que ergueram.

Intrigou-me um detalhe do figurino das duas atrizes. Usam duas bolsas exatamente iguais; cor, modelo, tamanho. Cheguei a pensar que era uma só bolsa, ora com Livia, ora com Marina. Não.  Eram duas bolsas  iguais, clones, réplicas. Não sei se foi de propósito ou por ato falho da produção, mas entendi o recado. Ambas querem carregar no ombro idêntico adereço, o  peso do mesmo amor. Do mesmo homem.

Se o caríssimo  já amou, desamou, voltou, brigou e recaiu, assista. Se não consegue enxergar outra saída, assista. Se ninguém mais te encanta, assista mesmo. Vai pensar duas vezes antes da próxima tentativa de conquista e reconciliação.
Pode ser um caso de mera semelhança com amor. Pode ser obsessão.

2 comentários:

  1. Oi Bettina,
    Quero agradecer o que você escreveu sobre "Obsessão". Muito bacana sua análise sobre o texto, atores, direção. Você tem um olhar muito interessante sobre o universo da peça. Enxergou minúcias, leu nas entrelinhas, embarcou e decifrou nossa viagem passional. Beijos, Carla Faour.

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    1. Muito feliz com seu comentário em meu blog. Sucesso, quero aplaudi-la muitas e muitas vezes!!! beijos

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