domingo, 27 de maio de 2012

Quebra Ossos

Ipanema
Quebra?
Quebra Ossos



Texto: Julia Spadaccini
  Direção: Alexandre Mello
Elenco: Patricia Elizardo, Rodrigo Turazzi, Cirillo Luna


" O quebra-ossos é um pássaro, um abutre-barbudo que se alimenta quase exclusivamente de ossos (que engole inteiros ou atira ao solo em voo em pedras de sua preferência, a fim de que se partam e possa comê-los " (Wikipedia)


Instigada pela curiosidade, atravessei a fronteira tênue do Arpoador para Ipanema, a fim de ver o Quebra Ossos. Aterrisso na Vieira Souto, terra luxuosa em beleza, e privilegiada por acolher a Casa de Laura Alvim em seus braços de mar.

A Casa de Cultura Laura Alvim  é uma mansão da cultura, e o espaço Rogério Cardoso é uma de suas íntimas alcovas.  Estrategicamente alojado em um canto da construção, abaixo da escada. Os degraus em descida alimentam a idéia de esconderijo, é ligeiro subsolo que permite um desligamento do mundo externo.  É um espaço para 50 espectadores,e temos que nos acomodar proximamente uns dos outros, o  o que dá uma sensação de equipe unida.

A cena inicial anuncia o que veremos: é um pop suspense. Um nonsense. Um desenho animado, ao vivo,  para adultos, com tema adulto - relacionamentos, segredos, revelações, assassinatos. Um quebra cabeças, de cenas e personagens que se repetem, se encaixam, se desencaixam, tão semelhante às situações modernas.  Os papéis se repetem em enquetes vários, tendo como espinha dorsal a relação do homem com o amor, real ou imaginário, seus abandonos e seus questionamentos, reais ou imaginários. As interrogações incisivas sobre o que se sabe e que não se sabe, mas que precisa ser descoberto, a sangue frio.  O confronto do homem, da mulher, do casal, com seu lado neurótico, psicótico. Seu lado mau.

Os atores e a atriz surpreendem quando parecem os mesmos em histórias desconexas. São os mesmos, e assumem novos papéis em outras histórias, e já não sabemos se são outras histórias ou capítulos seguintes das mesmas histórias.  Está  delineada a estratégia; as situações se completam no decurso do tempo, basta aguardar que as coisas sigam seu rumo. 

O texto é um primor de criatividade. Atrevido, em sua superposição desordenada de cenas, como o pulp fiction.   Coerente, traduzindo a moderna velocidade das relações atuais,  tão intensas quanto descartáveis. Tão impossíveis de serem entendidas em um primeiro olhar.

O visual das cenas é clean, muito clean. A cenografia é perfeita, com projeções e caixotes de madeira, manipulados pelos atores, formando perfeitos móveis. Mudou daqui, mesa. Dali, escada, cadeira, armário. O figurino dos personagens os transforma em personagens vivos de cartoons, principalmente a figura delicada e torneada de Patricia Elizardo. Ela se entorta, pés, pescoço, braços, e volta ao prumo com facilidade impressionante. É ela a parte dinâmica e móvel do espetáculo.  Mistura Betty Boop com Fernanda Abreu, retrô, pin up,  uma alegria em cena.  Rodrigo Turazzi é uma revelação, seus olhos verdes falam, assustam, gritam, pedem socorro, denunciam. Compôs seus tipos com riqueza e fartura de detalhes, e habilmente pitadas de um se fazem presentes nos outros. Incrível.  Cirillo é o princípe cruel. Tem identidades secretas, ambas muito distintas e disfarçadas sob a mesma expressão. É o ponto de partida para todas as cenas, sólido, linear, confiável.

Temos então um espetáculo moderníssimo, iluminado, cenografado, e vestido com competência, que vence o desafio de um pulp fiction ao vivo, sem os recursos tecnológicos de edição cinematográfica. Urbano, contemporâneo, com referências de hoje. 

E dentro deste caleidoscópio, a direção consegue imprimir começo, meio e fim. Ordem fora da ordem. Começa aos poucos, evolui grandiosamente, e termina com dignidade, com as peças encaixadas, como os caixotes do cenário. A platéia aplaude, aliviada porque tudo faz sentido.

Os caríssimos precisam respirar a nobre maresia de Laura Alvim. Precisam ir para ver, como eu vi. Cheguem cedo, acomodem-se, e aguardem, eles vem aí, aqueles que quebram os ossos.










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