domingo, 27 de maio de 2012

Quebra Ossos

Ipanema
Quebra?
Quebra Ossos



Texto: Julia Spadaccini
  Direção: Alexandre Mello
Elenco: Patricia Elizardo, Rodrigo Turazzi, Cirillo Luna


" O quebra-ossos é um pássaro, um abutre-barbudo que se alimenta quase exclusivamente de ossos (que engole inteiros ou atira ao solo em voo em pedras de sua preferência, a fim de que se partam e possa comê-los " (Wikipedia)


Instigada pela curiosidade, atravessei a fronteira tênue do Arpoador para Ipanema, a fim de ver o Quebra Ossos. Aterrisso na Vieira Souto, terra luxuosa em beleza, e privilegiada por acolher a Casa de Laura Alvim em seus braços de mar.

A Casa de Cultura Laura Alvim  é uma mansão da cultura, e o espaço Rogério Cardoso é uma de suas íntimas alcovas.  Estrategicamente alojado em um canto da construção, abaixo da escada. Os degraus em descida alimentam a idéia de esconderijo, é ligeiro subsolo que permite um desligamento do mundo externo.  É um espaço para 50 espectadores,e temos que nos acomodar proximamente uns dos outros, o  o que dá uma sensação de equipe unida.

A cena inicial anuncia o que veremos: é um pop suspense. Um nonsense. Um desenho animado, ao vivo,  para adultos, com tema adulto - relacionamentos, segredos, revelações, assassinatos. Um quebra cabeças, de cenas e personagens que se repetem, se encaixam, se desencaixam, tão semelhante às situações modernas.  Os papéis se repetem em enquetes vários, tendo como espinha dorsal a relação do homem com o amor, real ou imaginário, seus abandonos e seus questionamentos, reais ou imaginários. As interrogações incisivas sobre o que se sabe e que não se sabe, mas que precisa ser descoberto, a sangue frio.  O confronto do homem, da mulher, do casal, com seu lado neurótico, psicótico. Seu lado mau.

Os atores e a atriz surpreendem quando parecem os mesmos em histórias desconexas. São os mesmos, e assumem novos papéis em outras histórias, e já não sabemos se são outras histórias ou capítulos seguintes das mesmas histórias.  Está  delineada a estratégia; as situações se completam no decurso do tempo, basta aguardar que as coisas sigam seu rumo. 

O texto é um primor de criatividade. Atrevido, em sua superposição desordenada de cenas, como o pulp fiction.   Coerente, traduzindo a moderna velocidade das relações atuais,  tão intensas quanto descartáveis. Tão impossíveis de serem entendidas em um primeiro olhar.

O visual das cenas é clean, muito clean. A cenografia é perfeita, com projeções e caixotes de madeira, manipulados pelos atores, formando perfeitos móveis. Mudou daqui, mesa. Dali, escada, cadeira, armário. O figurino dos personagens os transforma em personagens vivos de cartoons, principalmente a figura delicada e torneada de Patricia Elizardo. Ela se entorta, pés, pescoço, braços, e volta ao prumo com facilidade impressionante. É ela a parte dinâmica e móvel do espetáculo.  Mistura Betty Boop com Fernanda Abreu, retrô, pin up,  uma alegria em cena.  Rodrigo Turazzi é uma revelação, seus olhos verdes falam, assustam, gritam, pedem socorro, denunciam. Compôs seus tipos com riqueza e fartura de detalhes, e habilmente pitadas de um se fazem presentes nos outros. Incrível.  Cirillo é o princípe cruel. Tem identidades secretas, ambas muito distintas e disfarçadas sob a mesma expressão. É o ponto de partida para todas as cenas, sólido, linear, confiável.

Temos então um espetáculo moderníssimo, iluminado, cenografado, e vestido com competência, que vence o desafio de um pulp fiction ao vivo, sem os recursos tecnológicos de edição cinematográfica. Urbano, contemporâneo, com referências de hoje. 

E dentro deste caleidoscópio, a direção consegue imprimir começo, meio e fim. Ordem fora da ordem. Começa aos poucos, evolui grandiosamente, e termina com dignidade, com as peças encaixadas, como os caixotes do cenário. A platéia aplaude, aliviada porque tudo faz sentido.

Os caríssimos precisam respirar a nobre maresia de Laura Alvim. Precisam ir para ver, como eu vi. Cheguem cedo, acomodem-se, e aguardem, eles vem aí, aqueles que quebram os ossos.










terça-feira, 22 de maio de 2012

Movie Stars

Copacabana


I like the way you move it

Movie Stars
Direção de Luiz Henrique Nogueira e Paula Joory e arranjos e direção musical de 
Liliane Secco, 
Músicos:

Piano e teclado: Tony Lucchesi
Contra-baixo acústico e elétrico: Omar Cavalheiro
Bateria: Affonso Netto




Onde há música, há muito mais que música.
Em Movie Stars, há música, e duas estrelas brilhantes. Gottsha e Alessandra Verney.

Elas cantam sucessos do cinema nacional e internacional, na nova versão do espetáculo de 2006. Mudanças no período:  só para melhor, a começar pelo Theatro Net, lindo de viver. Um capricho só, da porta de entrada a boca de cena. Do uniforme das recepcionistas, estiloso e cinematográfico, à qualidade de som e atendimento ao  público. Conseguiu-se o tom temático, que tanto combina com a arte cênica.

O caríssimo tem um ótimo programa para as segundas feiras. As melhores songs da sétima arte, brasileiras e de outras terras. Temas  inesquecíveis das películas Os Homens preferem as Loiras,  007, Embalos de Sábado à Noite, Ópera do Malandro, Dama do Lotação, Orfeu, Menino do Rio, O Casamento do Meu Melhor Amigo, A Cor Púrpura, Dançando na Chuva. Bela e a Fera, Pequena Sereia, Hakuna Matata. Sim. Vamos cantar durante uma hora, lembrar, relembrar, e curtir.

E principalmente, vamos nos divertir. O casamento entre Gottsha e Verney é para bodas de ouro. Gottsha  assume que era mezzo soprano e no decorrer dos anos tornou-se soprano; além disto, Gottsha tornou-se uma comunicadora. Apresentadora, mestre de cerimônias, woman show, como queiram, ela é divertida, simpática, carismática. Confere uma alegria e uma alto astral que contaminam o espectador. Ressalvo que os espetáculos de dias úteis tem esta missão - depois de um dia de trabalho, queremos leveza, queremos um up na energia para recarregar as baterias para a semana que se inicia. Ela consegue, privilegiada pelo dom da voz e pela personalidade exuberante.  Temos então Alessandra Verney, uma personalidade mais discreta, e uma voz poderosa.  Canta o que quer e o que não quer, e com sua absurda precisão vocal, equilibra a exuberância de Gottsha. 

A cada segunda feira teremos uma participação especial. Nesta segunda dia 21, fui premiada. Assisti Claudio Botelho, acompanhado pelo pianista Marcelo Farias, cantando a música tema de "Guarda-Chuvas do Amor", de Michel Legrand. Assim o rei dos musicais no Brasil de hoje homenageou o primeiro musical inteiramente cantado, lançado na Europa em 1964. A opereta filmada foi pioneira e contou a história de um casal de namorados separados pela guerra, sem diálogos entre os personagens. Nem uma palavrinha que não estivesse musicada. Para que palavras, se temos a música?

Recomendo. Para quem gosta de teatro, de música, de estrelas, de cinema.
Para quem gosta de ser feliz, que é o melhor programa em cartaz.




segunda-feira, 21 de maio de 2012

Traição?


Solar
Lar
Sufocar


     Traição 
                               

     Leonardo Franco, o marido. Vanessa Lóes e Pablo Padilha, os amantes
     Em cartaz no Solar de Botafogo.
     Texto de Harol Pinter, direção de Ary Coslov.


 Ai, ai, ai.
 Discordarei da melhor crítica de teatro do mundo: Barbara Heliodora, a quem eu adoro.
 Outros, excelentes também, estão elogiando, fervorosos.

Poderei eu ser verdadeira? Sim, estou no meu blog, e escrevo o que entendo que deva ser escrito, com a honestidade que carrego na minha alma taurina. Aqui é território livre. Posso escrever, o leitor pode discordar, e pronto! Teremos excelentes debates virtuais, protegidos que estamos atrás de nossos monitores.

Trair. Escapulir. Pecar. Idéias, que nós brasileiros, associamos a tal da traição. Pinotes. Uma boa farra. Uma brincadeira perigosa,  bem escondida para não machucar. Enquanto isso, aproveitamos, rimos, transamos, trocamos presentinhos, e beijinhos roubados. Romance, aventura, paixão.

Caríssimos, nada disto encontrei. A Traição de Harold Pinter é um sofrimento para todos, um incômodo que se arrasta durante longos anos, em lento ritmo, metade dos quais com a ciência do  traído, e a provável condescendência da traída - respectivamente, o marido da amante Emma (Vanessa Lóes), e da esposa Judith, casada com o amante Jerry ( Pablo Padilha).

 Na esteira dos anos, o amor ficou inócuo. Como a peça. Passou. Como disse um filósofo amigo meu, acabou o milho, acabou a pipoca. Ainda assim, ficou no ar a expectativa do que poderia ter sido. Ficaram no ar perguntas sem respostas, e respostas desconexas. Faltou o conflito que gera boas indagações e faz aflorar dúvidas cabíveis. Faltou a impulsividade que marca a traição em nossa sociedade ocidental. Emoções indefinidas pelo ar, inconsistentes, e a intocável sensação de que falta algo, mas não se sabe se falta no espetáculo ou no sentimento supostamente experimentado pelos personagens. Não estou bem certa se representaram domínio da situação e tocaram seus casamentos, com racionalidade e sensatez, ou se nem pensavam nisto, e queriam apenas contar com a sorte.

As lentas trocas de cenário alimentam essa inerte agonia. Quarto, sala, restaurante. Montados e desmontados diante do  público, à meia luz.  Foram 8 trocas, se não me engano, de aproximadamente 2 ou 3 minutos cada, mas que para mim, pareceram horas.  A mobília acoplada em prateleiras sugere que de fato as situações se arrumam e se reorganizam conforme a necessidade do momento. Depende do fim a que se destinam. Em silêncio, espera-se que surja sob nossos olhos o próximo ambiente para a cena, e talvez aí uma revelação, um susto, um desfecho definitivo. Nada. Espero descobrir o que sentia a esposa/amante Emma, mas Vanessa Lóes não deixou. Não identifiquei maiores sentimentos em sua personagem. Talvez de fato não os tenha, e tenha sido uma folha ao vento, deixando-se levar pelas circunstâncias. A ocasião fez o ladrão. Aceitou. Calou. Prosseguiu. Talvez tenha sido assim, talvez não. Seu marido, defendido pelo ótimo Leonardo Franco, é mais preciso. Sofreu a dor da traição. Aguentou de pé. Quebrou em pé também. Sua ironia o salvou.

Escolho entender que os personagens de Pinter é que foram imprecisos em suas escolhas, passaram a vida em cima do muro. E então tive pena de todos. Do marido, da esposa, do amante. Se assim foi, viveram sem ter vivido, amaram ser ter amado. Tiveram o doce na boca e não saborearam. O amor que sentiram não adiantou, não teve valia. O amor deve servir para melhorar nossa passagem pela Terra. Torná-la mais ampla, mais arejada, mais promissora, mais ensolarada. Não neste caso. Os anos em que os amantes estiveram juntos, foram, antes de tudo, anos de sofrimento mudo, de desesperanças. Faziam de conta que estava tudo bem. Amaram sem esperança, e a esperança, caríssimos, é a convicção do Amor.

Fica aqui o meu recado. Que não exista amor assim. Indefinido. Que o amor sempre dê um jeito de se impor, e que nunca, nunca, nunca, nunca esgote-se em silêncio, em si mesmo, pelo simples trocar dos anos no calendário inanimado.                       









domingo, 20 de maio de 2012

Antes que você me toque

Copacabana City
Zero a Zero?
Um a Um?
Nada disso - é  2 A 2


Antes que você me toque
Antes Durante Depois

Caríssimos,  eu vi,  ao vivo, a cores e de perto,  aquilo que queríamos ver e tínhamos vergonha de olhar.
Aquilo que queríamos saber e não tínhamos a quem perguntar.
Aquilo outro.
Aquilo de novo, agora de outro jeito.
O mesmo? Não, diferente agora.

Sim, aquilo que andam sussurrando em versos e prosas e suspirando pelas alcovas, diria Chico Buarque. Em outras palavras, sexo.

O sexo move o mundo desde Adão e Eva. Libertador, reprimido, experimentado e reinventado,  o ser humano precisa e gosta de sexo. Ai, ai , ai. Quanto já fez e já se deixou de fazer a mando do desejo carnal, Aventuras, romances, traições, fidelidades.  Há paixão sem sexo? Duvido. O sexo preserva a humanidade da extinção.  Em todas as civilizações, da Idade da Pedra à atualidade, humanos e macacos, todos fizeram sexo. Faz bem ao corpo e ao coração, relaxa. Vicia. Estigmatiza. Alivia. A prostituição (oferta de sexo) é a profissão mais antiga do mundo.  Os senhores feudais desvirginavam as noivas de seus vassalos como símbolo de poder e  dominação das classes sociais menos favorecidas.  É objeto de manipulação emocional. Depois de uma noite fazendo amor, somos mais apaixonados, confessemos.. Fazer amor enleva os apaixonados. Sem amor, apenas satisfaz. Ou não, agride. É faca de dois gumes. É faca, açoite, e é bálsamo.

Deixemos Claudia Miele, idealizadora do espetáculo, discorrer sobre o assunto. Divide com o público atento e apreensivo modernas possibilidades das relações sexuais e afetivas. Da sedução do parceiro ao exercício de novidades técnicas, digamos assim.  Apure olhos e ouvidos. Os quatro atores em cena satisfazem, por assim dizer, a curiosidade da corajosa platéia com sua atuação em cima de um fantástico. Ousado e simples. Realista. Honesto. Seus personagens foram batizados com seus nomes próprios.São personagens ou são eles mesmos? 
Preparem-se. Os atores de despirão inúmeras vezes, de acordo como o esquete apresentado. Veremos peitos, barrigas, bundas, genitálias, mas mais que tudo, veremos o desejo, em formas variadas, com amor e sem amor. Seduzem uns aos outros e a nós mesmos. Permitem-se. Tiram a roupa como eu tiro meus óculos escuros, revelando-se com naturalidade, sem ostentação ou malícia. É quase um swing de família.

Além do bom gosto da conduta, que afasta o erotismo da promiscuidade, outro golpe de mestre foi a escolha da montagem em um cenário real. O ambiente está impregnado de sexo, como um quarto de motel, portanto tudo que se sentir por ali,  está justificado pelo seu contexto. Horas atrás haviam casais nus por ali, praticando livremente o swing, o sexo grupal. Homem com homem, mulher com mulher, agora troca, mas não necessariamente nessa ordem. O prazer que desfrutaram está pelo ar. Mais: sabemos que estamos ali com tempo contado. Às 22:30 voltarão. A escada que leva às cabines do segundo andar ostenta um aviso em inglês. Traduzindo: "a partir daqui, roupa é opcional." Os atores nos chamam para subir com eles. Não digo mais nada.  Na entrada escura um guarda costas imenso pediu os documentos de identidade, portanto, quem é maior de idade que se defenda.

Assisti um espetáculo do estilo erótico-dramaturgo, explico: tem enredo, tem histórias, faz sentido, é inteligente, esclarecedor, instigante e bem humorado. Didático, inclusive.  E visto que exemplifica o decantado tema com atores nus a palmos de distância dos espectadores, é erótico. Ao alcance de minha mão, o ator, nu em pêlo, e a atriz, nua como veio o mundo. Falando em mundo, tudo começou do sexo. Dali veio a humanidade, do ato sexual.  Isto é indubitavelmente erótico. Bem erótico.

Convido-os a serem provocados pelo seus mais íntimos questionamentos. "Antes que você me toque" estará em cartaz até 30 de junho. 
Quem tiver coragem, aceite, e vá.  Deixe-se tocar. Antes, durante e depois.


Elenco: da esquerda para direita: Saulo Rodrigues, Cristina Lago e Igor Angelkorte.
               Abaixo de Saulo Rodrigues, Claudia Miele.
Direção: Ivan Sugahara
Realização: Claudia Mele, Ivan Sugahara, Saulo Rodrigues e Tárik Puggina




sábado, 19 de maio de 2012

Vamos malhar

Rio de Janeiro
Copacabana City
Paralela cidade


Força
             Nada de moleza

A pessoa chega a uma certa idade. Acontece com todos os vivos que passem dos quarenta anos de existência terráquea.
É uma nova era após atravessarmos o portal das quatro décadas. A pessoa descobrirá um cabelo branco ali, uma dorzinha no corpo aqui, e uma preguiça por todos os lados. Sentirá saudades boas e mágoas menores. Surpresa, os rancores estão transparentes! É há uma distância protetora dos problemas insolúveis, e uma força total para as novas saídas.

Enquanto o emocional se vira quase que sozinho, o físico não encontra soluções longe de exercícios e dieta.   (Perguntarão:           "- Preocupações estéticas no blog?"  Responderei: " - Sim. Moramos no país em que manequim 40 é Tamanho 10 infantil. Ou você se encaixa, ou manda fazer roupa fora, e quero saber onde.)
Sem demagogia: a decadência física não traz felicidade. O ser humano precisa curtir sua imagem, seja em que padrão for.

Justificada portanto a minha matrícula na Academia. Quero curtir minha imagem no espelho. Se não for possível, curtir meu esforço em atingir uma imagem mais favorável aos meus olhos, adestrados a admirar um padrão mais esguio que esse que o espelho insiste em me mostrar. E certa de que assim terei minha consciência mais tranquila, enfio-me em roupinhas de ginástica e sigo para a malhação.

Roleta na porta. Confere. Tal qual em ônibus e metrô, precisamos apresentar o ticket que adquirimos para o novo mundo, repleto de novos personagens  A sala de aula é um palco. Luz, cenário, e trilha sonora. Enredo? Variadíssimo, um para cada personagem.

Tem aquela que vai a academia mas não vai malhar. Ela vai falar. Fala com a recepcionista, com o pessoal da limpeza,  com as colegas da turma, com os rapazes da musculação, pára na esteira e quer falar. Pode ser ouvida ou não. Não importa. Ela não quer ouvir, quer falar.

Tem a louca. Barriga de fora, em bom estado ou não, mas de fora sim. Tiara na testa, luvinhas, ela se acredita entre a Jane Fonda e a Claudia Raia. Fala um pouco, mas só sobre exercícios. Mãozinhas na cintura, agitadinha, sorri o tempo todo. Não sei se é uma senhora fingindo ser muito jovem, ou uma jovem fingindo ser uma senhora. Nem ela sabe, provavelmente.

E as muito fortes, que sustentam pesos imensos, em ritmo constante, sem parar. Olhares impassíveis. Acostumadas a grandes sacrifícios, ficam na comissão de frente. Dão o tom de fanfarra ao exercício, com movimentos amplos e precisos. Não faltam, não falham e não falam com ninguém. Chegam, se penduram de pesos até o pescoço, malham como soldados da boa forma, e marcham academia a fora.

O tom colorido fica por conta dos gays.  Chegam cantando, se espalham na sala, precisam de mais espaço, de mais som, de mais alegria. Nos intervalos de descanso, não descansam. Balançam, fazem passinhos. Estão mais vivos, tem mais dentes, mais músculos, tem mais segundos por minuto. São os mais bonitos, sempre, mais proporcionais, mais torneados. Barriga zero, pernocas lindas, peitorais. O padrão de beleza masculina hoje é gay.

Entre mortos e feridos, tenho me salvado. Em momentos de profundo desespero e desejo de jogar-me ao chão, desmaiada pelo esforço hercúleo, lembro-me de todos os paêzinhos e docinhos que comi e que estão entupindo minhas artérias e meu jeans.
As guloseimas desfilam na minha frente. Centenas de franguinhos, paêzinhos, chocolates, bananas fritas, batatas fritas, sorvetes. Gravitam em linhas retas e curvas, caminham, requebram, batem na parede e voltam.

Ouço meu nome ao gritos, retomo o prumo, e prossigo. Fui resgatada da inércia e avanço, sobrevivente de guerra, para a próxima série. Tenho pesos nas mãos, nos braços, nas pernas; barras, anilhas, colchonetes, garrafa d´água, toalhinha.

O que tenho mesmo, caríssimos, é esperança.






domingo, 13 de maio de 2012

O Filho Eterno

Centro do Rio
Centro do Coração
Centro Centro
Sempre no Centro


 O Filho Eterno






"O Centro Cultural do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro retoma o programa Teatro no Palácio e recebe o premiado espetáculo “O Filho Eterno”, da Cia Atores de Laura. A montagem, que tem direção de Daniel Herz e atuação de Charles Fricks, é uma versão para os palcos do livro homônimo de Cristovão Tezza, com adaptação de Bruno Lara Resende. As apresentações acontecem até o dia 30 de Maio, sempre às segundas, terças e quartas-feiras, às 19h, e têm entrada gratuita."


Caríssimos, estive por lá, no Centro do Poder Judiciário. Adentrei assim, plena segunda-feira dia útil, pela atmosfera histórica do Centro Cultural do Poder Judiciário do Rio de Janeiro para testemunhar. Desci às antigas celas, onde, em outros tempos, os acusados de crimes contra a vida aguardavam seus julgamentos e sentenças. Os tribunais do júri perduravam durante dias, e os réus ficavam alojados ali. Há ainda pelo ar um peso de gravidade, de subterrâneos, de expectativas, evidentemente suavizado pelo banho de cultura.
A cultura modifica qualquer história pregressa, caríssimos.

 Confesso que o tema do livro que deu origem a peça não me atrai. Não curto quando a arte versa sobre doenças, muito menos doenças infantis, e graves, como a síndrome de Down. Pronto, assustei meu leitor. Afirmará, que sou preconceituosa e desatualizada, e que a síndrome de Down não é uma doença. Perdoem-me caríssimos. Paremos com isso. Down não é doença, amamentar é maravilhoso, e a maternidade sempre vale a pena. Essas afirmativas sim, trairiam meu compromisso de ser reta e sincera com meus pensamentos. Ponto. Quem achar o contrário, páre. Cada um tem uma pele e um coração, e sente frustrações e medos de forma bem diferente da mostrada pelas campanhas inteligentes de publicidade. Cada um tem seu cansaço. O pai de um tricrossômico será um eterno cuidador. Ter um filho Down, ou portador de necessidades especiais, agrava as muitas dificuldades da maternidade, da paternidade e da educação. Tenho filhos. Não é fácil com crianças com total capacidade de desenvolvimento e aprendizado. Vamos acabar com a demagogia. Hoje é dia das mães, e eu digo: criar e educar é missão das mais difíceis.

 A arte sempre dá um jeito. Charles Fricks ganhou o prêmio Shell de melhor ator, e não foi à toa. Sozinho com sua luz, com o cenário de uma única cadeira, ele é a encarnação do Teatro da Interpretação, onde o ator, munido de um texto espetacular, absolutamente humano e rasgadamente franco, dispensa, soberano, qualquer outro acessório cênico. Monólogo? Não. Os outros personagens estão ali, mas são transparentes; existem, não tem nome nem forma visível, mas estão ali, pelos gestos do artista. Berçário, escola, carro, sala de estar, pracinha, médicos, diretoras, esposa, vizinhas. Reais e imateriais. Concebidos pelo ator, da ponta dos seus dedos ao cabelo molhado. Escancara sob nossos olhos absortos a dor, a decepção, e o esforço da aceitação de ter um filho Down, educá-lo, criá-lo, não deixar que se perca, que adoeça, que engorde. Fazer com que viva, pelo tempo que puder, o mais dignamente que puder.

O autor e o ator são corajosos, talentosos, e trouxeram à tona o que a mídia quer disfarçar, temendo o abandono destas crianças nas instituições públicas. E eu aplaudo de pé. Saudações, aos que tem coragem, como diz Frejat. A peça podia ser rejeitada, pois vai contra a corrente do politicamente correto. O politicamente correto é uma grande falseta. Existe obrigação em ser correto e em respeitar o próximo, suas necessidades, suas características. Independe quais sejam. Não é mérito nenhum. Outra idéia comumente aceita, e que venho aqui condenar, aproveitando o ambiente em que me encontrei, é a de que os Centros Culturais oferecem ótimas programações gratuitas. Não são gratuitas. Estão pagas, bem pagas, pontualmente pagas, pelos nossos impostos. Nada mais justo que ofereçam tudo de bom que tem nos oferecido. Recebem dinheiro público, meu e seu, e temos portanto o direito pleno de retirar aquele bilhetinho sem desembolsar mais notinha nenhuma. É nosso.

Sigamos, sabendo então que nos palcos da justiça assistiremos a uma emocionada confissão.

Então, vamos. Vamos ver o que faz um ator e um autor. E uma criança especial, que teve a sorte de nascer um lar de gente cumpridora de suas obrigações. Surpreso, novamente, caríssimo? Achou que a peça revelaria um rio de felicidade enfim descoberto em meio a adversidade? Não. Nenhuma revelação além da consciência limpa de cumprir com suas obrigações. Ao fim do espetáculo, perguntei a Charles se tinha filhos. Disse que não. Eu disse: "- Nossa, mas você emociona. Você fala da maternidade". Sorriu, virou a cabeça de lado, e afirmou, assim, suavemente, e sem discordar. " - É, falo da Tolerância".

Vamos lá. Dispa-se dos discursos prontos que a mídia, regiamente paga quer impor.  Vá, olhe bem fundo dentro de si, e depois diga se este gratuito aqui não vale ouro.