sexta-feira, 13 de abril de 2012

A Peça do Casamento

Ipanema
Laura Alvim


Saudações aos que tem coragem

Comédia ou drama? Dudu Sandroni e Guida Vianna conduzem o espectador por uma viagem de três décadas de núpcias


Segurem-se.

Começaremos uma daquelas viagens das quais voltamos diferentes de quando partimos. Modificados. Se não melhores, mas certamente mais atentos.

O passaporte é o casamento de Jack e Gillian, um casamento de 30 anos. A esposa está esperando o marido chegar, como faz há 30 anos. E ele chega, mas não como há 30 anos, e nem como chegou, em algumas poucas vezes, nos últimos 30 anos. O marido anuncia que está deixando a esposa, assim, como quem diz boa noite.

Daí em diante testemunharemos um diálogo fictício, entre personagens fictícios, sobre a realidade concreta de um casamento. O texto, brilhante, traz notas do Teatro do Absurdo, sutis e suficientes para que entendamos que a vida a dois é de fato bem Absurda. Entenderão melhor, creio, as criaturas que foram casadas, que viveram a dois sob o mesmo teto, dia após dia, vendo e não vendo, calando e sufocando, cuidando do jardim, da casa, dos filhos, e descuidando um do outro.

E os muito felizes no casamento gostarão? Ah, sim. esses gostarão também. Verão do que escaparam, e podem se orgulhar disto. São especialmente hábeis e sortudos. Sei que há amores que sobrevivem ao casamento, mas são raríssimos e fogem à explicações. Há casamentos que perpetuam lindamente o amor, mas são também raríssimos e da mesma forma fogem à explicações. Os motivos que unem alguns casais afastam outros, ou os mesmos casais em outro momento.

É preciso dizer que A peça do Casamento é espetáculo de ida obrigatória. É indispensável para chegarmos a poderosas constatações, que serão diferentes e utilíssimas para cada um de nós. Enfim, um mix de diversão e análise, bem dentro do estilo do dramaturgo Albee, que acreditava que "Toda arte deve ter sua utilidade, se é meramente decorativa ou escapista, é perda de tempo... Esta utilidade está ligada à consciência. Ela deve nos engajar numa reflexão e reavaliação dos nossos valores para encontrar aquela coisa que nós estivemos acreditando pelos últimos 20 anos e descobrir se ainda tem alguma validade".

Edward Albee, dramaturgo, nascido em Virginia, em 1928. Autor de "Quem tem medo de Virgina Woolf", vencedor de três prêmios Pullitzer. Joga a verdade dos fatos em cima do palco, lindo ofício o seu

A inteligência de Albee, excepcional, conseguiu reunir em único texto amor, indiferença, raiva, traição e condescendência, comédia e drama, intimidade e aparência, pontos cruciais da nossa vida na Terra, entre os quais vagamos, conscientes ou não. O casal, e sua última conversa no estado civil de casados, nos engajam mesmo numa profunda auto crítica. Os últimos 30, ou 15, ou 3 anos, voaram ou se arrastaram? Ainda há (algum) amor? Que amor é esse? Sua qualidade? Faz bem ou não? Faz-nos melhores e mais felizes, ou sentimos um grande vazio? Somos mais um dos bossais, ou preservamos nossa exuberante personalidade? Vivemos de recordações, ou do que um dia fingimos ser?

A interpretação e direção do espetáculo são irresistíveis. Arrebatam a platéia, coletiva e individualmente, nesta reflexão. Coragem, caríssimos, estamos falando de Guida Vianna e Dudu Sandroni; estamos falando de dar vida a letra escrita; é o espiríto do texto em 3D. Dão forma, volume, cor e voz aos personagens imateriais. São os personagens, e não somente parecem sê-los. Acho que deve ser trabalhoso, e até dolorido, saírem do teatro e retomarem suas personalidades,como a separação de dois pares de gêmeos siameses. No cocktail de estréia, os dois estavam por ali, misturados entre nós, vis mortais, mas eu não consegui mais enxergá-los depois de tudo que vi. Via somente o marido Jack e sua esposa Gillian, tentando salvar o que tinham de mais valor. Para ela, a vida a dois. Para ele, ele mesmo, e seus próximos anos de vida.

É, caríssimos, agora eu pergunto: quem embarcará nesta viagem?

Eu embarquei, fui, e voltei. Garanto minha presença na viagem do teatro de Albee, e na viagem do casamento. Com a cara e com a coragem. Sei que ambas conduzem a lugares inesquecíveis.

Um comentário: