segunda-feira, 26 de março de 2012

CHICO

Terra Adorada
Idolatrada
Salve Salve

O imortal Chico


Caríssimos, não gosto de sentimentalismos e suspiros e chororôs. Não sou de me debruçar sobre túmulos; não suporto declarações emocionadas e inventários na hora da morte. O inventário é para hoje. Hoje temos que ter uma lista das qualidades e feitos de cada um, assim na ponta da língua.

Eu relutei muito. Não queria parecer mais uma a dizer que Chico foi um gênio, foi um Chaplin, foi generoso, foi isto e aquilo. Isto tudo já se sabia quando vivo, e agora, falecido, só podemos enaltecer a grandiosidade de sua obra. Mas depois de assistir a tantas e repetidas homenagens, duas coisas não se calam: a coisa 1 que não se cala, dói. É dedo na ferida. Aponto, caríssimos, que o que diferenciou Chico Anysio de todos os demais foi a CRIAÇÃO. Ele CRIOU, construiu, fez nascer. Neste mundo de licenças, franquias, cópias autorizadas, releituras, neste mundo de Big Brother, não há CRIAÇÃO de fato. Programas produzidos em série. Inspirações, quando muito. Assistindo a seus personagens, vemos que inúmeros deles inspiraram tipos e bordões dos contemporâneos Tom Cavalcante e Miguel Falabella. Reproduções de seus tipos mais famosos - o bêbado, o marido traído, o homossexual disfarçado, a boazuda burrinha - revisitados pela seguinte geração de comediantes. Até o stand up comedy, modelo importado, traz em suas versões brasileiras notas de seus trabalhos solo. Interpretação original é coisa rara no mercado. Depois de anos de janela e muito botox não se sabe mais quem é original.

Chico Anysio não. Este Homem criou um mundo novo. Mundo seu, brasileiro, debochado, crítico, habitado pelos nossos conterrâneos. Brotado do chão de nossa terra. Como fez Monteiro Lobato na literatura, Chico concebeu um universo paralelo, onde personagens entravam e saíam, conforme o que queria dizer. Falava para o povo e sobre o povo através deles. Chico City, Escolinha do Professor Raimundo. Ilhas reais de sua imaginação. Isto, caríssimos, não existe mais. Somos hoje adaptadores da arte feita por outros. A maioria de nossos autores aproveita idéias e as apresenta com outra roupagem.

A coisa 2 é o meu repúdio a entrevista que a Globo levou ao ar com Angélica e Eri Jonhson, entre um flash e outro do velório. Neste momento, colocar Eri Johnson ao lado de Chico Anysio é forçar a barra. Inoportuno e ineficaz. Ah, porque Chico o viu no Teatro Abel, em Niterói, e o elogiou no Faustão. AH, isso foi em 1998, e de lá para cá muita água rolou; e cá para nós, Eri não foi a revelação que prometia ser. Além disto, Angelica não sabia o que perguntar. Que vazio de indagações. Que moça tão bonita e elegante e tão... inócua. Sequer diante de Chico Anysio surgiu naquela cabeça bem penteada uma pergunta relevante. Eri Johnson só chorava. Mais uma vez, nada substitui o talento, e foi um Chico muito doente que movimentou-se para salvar este fiasco de reportagem: contou uma ótima piada, e revelou que o mais bacana de sua profissão foram as amizades que fez - do dono multimilionário da emissora, à faxineira do camarim.

A Chico Anysio, honra e glória para sempre. A Globo deve-lhe muito. A classe artística deve-lhe mundo. Os espectadores devem-lhe muito. Para cada personagem, uma comitiva de profissionais com emprego. Artistas resgatados do ostracismo. Para cada personagem, mais platéia, mais ibope, mais verba para a emissora; colocar uma publicidade no intervalos dos programas de Chico exigia bala na agulha. " Ninguém reclama de rir ", explicou. Fazer rir, portanto, é um ótimo negócio.

Em suas últimas aparições na TV, afirmou que todos somos insubstituíveis. Tenho minhas dúvidas. Há gente que não faz a menor falta, e o pior, há montes de clones destas pessoas. Em compensação, vez em quando surgem deuses da Arte sob a Face da Terra. Sim, e Zeus os mergulha no Rio Estige, da cabeça aos pés, sem calcanhar de aquiles, para que sobrevivam mesmo após sua partida. Invencíveis, inigualáveis, e inesquecíveis.
Adeus, imortal Chico Anysio, vá em paz.

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