sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Terezinha

Rio de Janeiro

Paquetá
1975, mais ou menos


Vocação



Era eu bem pequena.

Roliça e desinibida.

Meu avô, um anjo de avô, tinha uma varanda, pedacinho de chão, pedacinho de Paz.

Perguntou-me com sua voz que escuto ainda, voz rouca de fumante, voz mansa de avô - "- o que minha Bettininha quer ser quando crescer?"

Não hesitei. Com todas as letras de meu português ruim, eu afirmei: CHACRETE.

Risos.

Choque.

Preocupação.

O santinho correu para caprichar na minha formação. Colégio Católico, Ballet Clássico, Francês, Inglês.

Rigor dos bons modos e mão de ferro da minha mãe.

Mas dentro de mim eu ainda queria ser chacrete. Dançar dentro de collants de paetés brilhantes, coloridos, batons fortes. Rebolar.

Ah, Terezinha, eu queria parar o comércio.

Queria tocar a buzina.

Nada disso. O tempo passou. Adestraram-me. Aprendi boas maneiras, primeira comunhão, Socila de Ipanema. Fiz Direito, tive filhos. Empregos em empresas de grande porte, saia justa, blusa de botão. Óculos.

Sim, dancei um pouquinho, mas não foi de collant de paéte. Aliás, collant hoje é chamado de body. Usei, no máximo, uma camiseta de lurex.

Mas dentro de mim, caríssimos, há a reprimida chacrete. A corista. A vedete.

A vocação persistiu por anos a fio e continuei infantilmente imaginando que devia ser um emprego ótimo.

Assim, sem ansiedade, encarnar aquela coquette que náo tem problemas em público. Náo tem olheiras, náo tem solidóes.

Não questiona ninguém nem é questionada.

Aquela que sabe dançar, rir, brincar. Anunciar o intervalo e sumir.

Reaparecer retocada, no salto.

Magra, incrivelmente em forma. Disputada pelos bonitões.

Rodeada por elogios, paparicos, flashes.

Aplausos, zooms, cachês.

É,foi-se.

Não dá mais para ser chacrete.

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