quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Cadê o meu saquinho?

Rio de Janeiro
Zona Sul


Quero um saco bem cheio

Os tradicionais saquinhos, quem vai?


Caríssimos, tem coisa mais gostosa que um saquinho cheio de doces?
Aqueles doces de São Cosme e São Damião, os santos católicos cultuados também na umbanda, médicos na antiquidade, e a quem a crença popular atribui poderes miraculosos e curativos.

Mas esse ano as crianças ficaram de dieta. São diabéticas? Não, a Igreja Evangélica e sua esmagadora maioria de seguidores acha que são doces do demônio.

Quem disse que o demônio quer doces? Onde está este pedido? Alguém o entrevistou? Alguém já avisou ao coisa ruim que doce engorda?

Por favor, caríssimos. O Rio de Janeiro, Zona Norte a Zona Sul, sempre curtiu seu saquinho. Eu era menina pequena, meu pai trabalhava no Centro da Cidade, e ele voltava para casa dia 27 de Setembro cheio de saquinhos. Era açúcar por todo o lado. Fartura de jujuba e paçoquinha, maria mole, doce de leite, doce de abóbora. A faxineira de minha casa trazia os seus saquinhos, tinha muita pipoca doce, e era uma delícia.

Minha mãe, católica apostólica romana, que foi criada assistindo missa em latim com o terço na mão, distribuía saquinhos de Cosme e Damião bem recheados aos vizinhos, e todos recebiam com o maior sorriso no rosto. As guloseimas eram separadas com cuidado para não faltar para ninguém.

Na zona norte então, a festa era mais ampla, mais ao ar livre, a distribuição das delícias pelas praças, pelas ruas, bem ao gosto brasileiro: à vontade.

Mas inventaram o não, em rede nacional. Não pode. Não deve. Deus não quer isso, Deus não quer aquilo. Repito: alguém tem essa procuração? Alguém foi eleito porta voz? Por quem, caríssimos?

Não devemos cultuar o demônio. Qual? O dos saquinhos? Ou o demônio ganancioso que leva montanhas de dólares fiéis para seus cofres?
Ou o demônio doido que temos dentro de nós e que não está nem aí para paçoquinhas, quer coisas mais pesadas?
Ah, tem também o demônio que quer dízimos, terças partes, metades. Carros. Apartamentos. Noitadas.

Não vamos acabar com as tradições brasileiras. De uns cinco, seis anos para cá, vejo muita gente (gente que avisa: sou cristão) renegar festas caipiras, bailinhos infantis de carnaval, presentes de Natal, ovos de páscoa, saquinhos de São Cosme e Damião. Não são de Deus, afirmam.
Ah, não são de Deus. De quem são, por favor?
Cadê a lista dos pertences do Senhor?
Moisés, nos acuda. Deus enviou-lhe as tábuas dos dez mandamentos.
Consta que não pode dar saquinho de doce, uma vez por ano, para crianças, em sua maioria pobrezinhas?
Tem certeza? Vale a pena tal privação? Que mal fará para uma criança um pé de moleque? Não pode também usar vestidinho de caipira? Fantasia de bailarina? Uma serpentina, uma marchinha?

Temos cabeça e coração.
Temos cabeça para criticar e coração para querer.

A palavra do homem não privar-nos de alegrias assim inocentes.

O que se sabe é que ninguém ficou pior porque comeu doces de São Cosme e Damião, tampouco porque os deu. Ninguém tornou-se mentiroso ou corrupto porque foi a um bailinho vestida de cigana ou dançou uma quadrilha. Mas conheço muita gente que se corrompeu jurando por Deus.

Atenção a adesão às causas proibitivas. Atenção àqueles a quem todos obedecem tão prontamente. Desconheço argumentos legítimos para imposições taxativas, em massa, para massas. Argumentos com essas características levaram nações ao holocausto.

Ninguém há de me convencer que o saquinho é do demônio.
O demônio está em muitos lugares, a maioria deles invisíveis. E, longe, muito longe, dos prazeres inocentes e dos corações generosos.

E digo mais - quero o meu saquinho. Lotado, açucarado, melado. Nenhuma paçoquinha há de me levar para o inferno, tenho certeza disso.

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