domingo, 1 de maio de 2011

O conto da infidelidade

Baixo Leblon
Alta Lapa
Lugares convidativos ao crime


Qualquer semelhança com a realidade
é mera ficção




Sou infiel.
Não resisto a uma moça bonita.

Sou casado há anos e amo profundamente minha esposa. Sou grato, leal, e até apaixonado.
Mas não sou fiel, pelo menos sexualmente.

A tentação me ronda. Não resisto. Cerco-me delas, vou onde estáo, estão em vitrines, em jaulas, posso ver, mas não tocar. Elas estáo por todo o lado. Vem atrás de mim, me convidam, sorriem, escapam.

Parece um filme francês, escuro, rápido. Imagens de bocas e pernas atravessam meu campo de visão. Fecho os olhos, viro a cabeça e continuam lá zombando de mim.

Não aguentei. Abri a jaula e peguei uma. A mais atrevida.

Beijei-a até adormecer seus lábios.
Apertei sua cintura querendo retê-la em mim.

Olhei para o outro lado da rua.

Turva pela noite, minha esposa nos espiava. Fugiu. Fugi atrás.
Larguei a moça na rua e constrangido, voltei para casa.

Nunca tocou no assunto. Agradecido, tento adequar-me.

Escondi-me entre as paredes, atrás do monitor do notebook, para evitar outras mágoas.
Estou escondido de mim.

Minha aliança aperta meu dedo e estrangula meu pescoço.
Volto à rua das jaulas e vitrines, é lá que respiro.

Tanto oxigênio me deixa tonto, me entorpece, quero mais.
Na hora certa volto para casa, a santa está lá, é a guardiã da minha sanidade.

Um dia voltei antes da hora.
Lavei as mãos e o rosto no bar da esquina.
Ajeitei o amassado da camisa, tirei marcas de dedos do cabelo. Apaguei da cabeça as promessas.

Subo, ávido para certificar-me que tudo está como deve.

Não.

Murmúrios apressados na escada.
Escondi-me.
O cheiro conhecido atravessou o corredor rapidamente.
Ouvi o barulhos da tranca e passos acelerados.

Outra jaula tinha sido aberta e a fera presa se soltara.

Salvara-se de mim experimentando do veneno em que sou viciado.

Hoje ambos estamos enjaulados. A infidelidade nos cerca, ergueu suas grades.
Presos, agoniados, envenenados.
É um vício, ora instiga, ora satisfaz.

O requinte dos fatos é que hoje estamos mais próximos que antes.
Comemos do mesmo pão e provamos do mesmo vinho amargo.

Até que a morte nos separe.

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