domingo, 20 de março de 2011

Uma carta para você

Leblon,
Onde olho vejo arte

Tudo que eu queria te dizer



Eu tinha muito, muito o que te dizer,
e não sabia como.
Tinha medo, tinha escondido de mim.
Não conseguia verbalizar o que espero, o que sinto, o que desejo.
O que me assusta e o que me consola.

Mas Martha Medeiros sabe. E fez. E Ana Beatriz Nogueira sabe como dizer. E diz.
Uma escreve. A outra diz. Eu, a terceira nesta relação, assisto.

Ela entra no palco, e estou convencida que a Tv engorda, achata e enfeia.
É mais alta, mais esguia e mais bonita ao vivo. Ana Beatriz Nogueira é uma mulher elegante. Cabelos, olhos, pele, sorriso, mãos. E jovem.

Entrou com passos firmes, e ao mesmo tempo, suaves. É isso - veremos a verdade suavemente, sucessivamente, firmemente. Pelo corpo da atriz desfilarão seis mulheres, e não resisto. Preciso descrevê-las. Lembro delas dia e noite,
lembro de seus sentimentos. Estão comigo pela minha casa, tornamo-nos amigas.

A minha primeira amiga avisa ao marido que teve um sonho de amor. Com um beijo delicioso de amor. E não era com ele. Chega desta vida. Vai deixá-lo. Chega viver sem amor, sem emoção, ela quer beijar, quer amar. Abre mão do casamento, do lar e vai comprar a briga da independência, e sabemos que não é para qualquer um.
Esta mulher encanta-me. Há um pedaço de mim, de minhas amigas, das primas. Há um pouco de todas as mulheres, não nos contentamos, nunca nos contentaremos com a ausência do romance. É preciso estar apaixonada, e lutamos por isso.

A segunda é o outro lado da moeda. A jovem amante. Abre mão do marido da outra, enjou-se dele, está devolvendo a sua dona seu brinquedinho que não mais interessa. Sofre, porque o ama, mas sabe que não será amada, não será nada, e tem coragem também para desistir. Outra que não contenta-se com uma relação sem amor. É engraçada e irônica em sua narrativa sobre o tal sujeito, as críticas magoadas tem sua dose de humor. Esta já deve ter passado coisas piores. Fico intrigada: devo conhecer algum bossal como esse e não me lembro.

A terceira é uma velha. Escreve para o marido morto há quarenta anos. Está idosa, doente, esquecida. A atriz envelhece 50 anos ali em nossa frente.
Admiro o amor pelo falecido. Poucas são os que amam os vivos, que dirá os mortos,em sua maioria esquecidos. Ela dorme todo dia sem saber se acorda, mas sabe que vai acordar para escrever mais uma carta. Meu Deus. Será que quando eu morrer alguém escreverá para mim? Dirá o quê? Que sou para os que amo? Que deixarei, além de números e palavras? Adoraria deixar assim, um amor eterno.

A quarta é uma doida de pedra. Escreve para o psicanalista, sob recomendação. Está enjoadíssima de tudo. Amarga, não quer sexo, não quer crianças, não quer saber de política. Afirma categoricamente que não existe amizade ou amor; agrada-se o próximo para ter-se um pouco de companhia. Ela não vai entrar nessa.Quer a solidão e o isolamento. Não suporta a sociedade e no fim, já não suporta o psicanalista.

A quinta impressionou-me. Ana Beatriz está de costas e vira-se. Incorporou. É uma bruxa. Encolho-me na cadeira e escuto sua risada. Mas quem assina é a vítima da bruxa. A moça crédula que foi consultá-la. Sua morte foi prevista. É para breve. Está apavorada. Pede ajuda a amiga, marido, ninguém a ouve. Só pensa na sua morte, que se aproxima e ela não sabe da onde virá.
A carta termina em desespero. Tenciono ajudar, conheço cartomantes, mães de santo, tenho uma equipe de emergência, mas sei que não me ouvirá. Está perdida no próprio temor.

A sexta, que finaliza o espetáculo, é a própria Ana.
Dirige-se ao público e à autora.
Agradece, pede, conquista.
Carinhosamente chama a peça de stand up book - livro em pé, referindo-se ao texto original.
Acho que o nome pega. Acho que tudo que fizerem juntas pegará.
Pegaram todos que foram, colocaram em um envelope e despacharam, para a terra das mulheres especiais.

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