domingo, 13 de fevereiro de 2011

God Save the King - salve o Rei e seu discurso

Botafogo
Rio de Janeiro

O Discurso do Rei



"A gagueira tem origem física - seu problema central consiste em uma dificuldade do cérebro para sinalizar o término de um som ou uma sílaba e passar automaticamente para o próximo"

Um bom discurso vale ouro, ou melhor, vale um reino. A palavra certa na hora certa e tudo se transforma - uma história qualquer transforma-se em uma grande verdade. Afinal, a verdade é só uma história bem contada.

A humanidade precisa ser convencida. Não bastam atos para nosso entendimento; estamos sempre buscando explicações. Como explicar uma guerra? Como conduzir uma nação à guerra? A Inglaterra marchava para o confronto. O Rei George V às vésperas da morte: quem governaria o reino? Nenhum dos príncipes estava habilitado para tanto - o mais velho, herdeiro legítimo do trono era um doidivanas; o mais jovem, era gago. Não tinha, ao pé da letra, voz de comando.

"O Discurso do Rei", com dez indicações ao Oscar, nos apresenta esta situação. O príncipe mais jovem, Albert, terá que assumir o trono e evitar que seu irmão mais velho arrase com a monarquia inglesa em dois tempos. Eu preferiria o excêntrico. Muito mais interessante. Extravagante, livre. Desobediente. Meu voto não conta, e convenhamos, o príncipe gago, ainda que gago, era mais sensato. Este sim, era um cumpridor de deveres, mesmo roído pela insegurança. Só que as palavras de ordem não saem. As palavras de amor se calam. Os lábios finos, a fronte molhada. Uma luta de foice para duas frases seguidas. A atuação de Colin Firth é perfeita em sua contrariedade, em sua ansiedade, na contradição da sua nobre arrogância face a inconclusão da gagueira. Merece a estatueta. Não vejo outro ator nesse Rei.

O candidato ao trono é salvo pela esposa, Elizabeth (Helena Bonham Carter), discreta e eficaz como devem ser as esposas e como eu, e outras brasileiras que conheço, jamais seriam. Estamos longe de ser discretas e resolvemos mais no ímpeto que na eficácia. Para sorte de Bertie, a futura rainha encontra um especialista (Geoffrey Rush) credenciado pela sua experiência como ator, e náo como fonoaudiólogo. Dotado de sensibilidade e persistência, adentra o emocional de Bertie, assim ironicamente apelidado. Eis que descobrimos que as criancinhas reais também sofrem. Entre um trago e outro, conta que foi alvo de humilhações e deboches. Sofreu crueldades das babás e o desprezo dos pais; suas majestades estavam ocupadíssimas reinando. O professor tem sucesso na sua estratégia, e acompanhamos a leitura sem interrupções do discurso que conclama o país à guerra contra a Alemanha.

O filme é uma catarse do dramaturgo David Saindler, autor do texto, que foi gago e decidiu escrever após curar-se de câncer na garganta. O filme é impecável. Cenários, externas, figurinos. Informações históricas. Merece as dez indicações. Tudo está, para usar o inglês, no seu utmost.

Mas não sou gaga e posso falar muito bem. Falta um saculejo. Falta emoção. Nenhuma baixaria monárquica revelada. Dores perfeitamente anestesiadas. Muito verde, muito chá, muitas luvas, muito protocolo. Sem porres homéricos e stripteases em bares vagabundos. Sem paixões ou ódios, sem consolos ou compulsões.
Você não vai chorar, não vai rir, não vai se intrigar. Não sairá cantando.
Poderá achar bonito, gostar, que bom que Bertie aprendeu a falar e passa-se para outro assunto em pauta.

Nós humanos não nos contentamos com esse mero gostar, queremos mais, e urgentemente.

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