domingo, 23 de janeiro de 2011

Amores, Perdas, Vestidos

Teatro do Leblon,
Sala Fernanda Montenegro

"o que escrevi era muito pessoal. O editor publicou. Era pessoal para várias pessoas também!" ( Ilene Beckerman, autora do livro Love, Loss and What I Wore, que deu origem à peça)

Amores, Perdas, Vestidos
Teatro do Leblon, Sala Fernanda Montenegro


Mulher só pensa em roupa. Não. Mulher pensa em roupa porque quer impressionar. Ou conquistar. Ou ser vista. Ou ser bonita. Ou dizer o que quer, ou esconder o que quer. O fato é que estamos sempre querendo alguma coisa, e perdidas nos truques que nos ensinaram. Quando eu fazia dança de salão, me disseram que usasse os sapatos de dança nos bailes. Aqueles pretos, tipo boneca dos anos 20. Falei que não, credo, eu tinha sandálias lindas, prateadas, douradas, vermelhas, altas, e que chamavam a atenção para minhas pernas. Não, Bettina, os sapatos pretos indicarão que você sabe dançar, ou que pelo menos está em aulas de dança. Deu certo. Fui com eles e não saí do salão, o recado foi dado e entendido, e as lindas sandálias ficaram no armário.
A sociedade lê as mulheres pelo visual. As ciganas casadas tem que usar um lenço no cabelo para indicar seu estado civil. Usamos terninho no trabalho, queremos mostrar seriedade. Um vestido decotado na festa, para provocar. Pintamos e colorimos nossa figura para provocar uma leitura. No entanto, vários lerão um mesmo livro e concluirão diferentemente entre si - a sociedade portanto, poderá se equivocar quanto às nossas intenções. Mais sábio que os de hoje, Manuel Bandeira, de outro tempo e de outra sensibilidade, escreveu "ninguém imagina os mundos que ocultas sob tuas roupas...". Não há mais Bandeira por aí, então é melhor caprichar no figurino.
Só que o espetáculo traz mais que um diário de figurinos. Esqueça os suspiros sobre o vestido que usei quando conheci fulano ou beijei ciclano. As citações das roupas são só um gancho para um mergulho no universo feminino, suas intenções, suas expectativas, suas críticas, suas desculpas. Sim, o universo feminino é assim construído. Haja terapia para suavizá-lo.

As quatro maravilhosas - Arlete Salles, Carolina Ferraz, Ivone Hoffman e Thaís Araújo - contam momentos especias, especialíssimos. Expectativas de amor. Amores vividos e desmanchados. Ironia, tristezas. Dores de separação. De paixão e de desprezo. De superação. As difíceis relações familiares. A melancolia da menina que só se lembra do penhoir azul turquesa da mãe falecida. A mulher jovem que supera um câncer de mama. O casamento homossexual. As maldades da madrasta. O espetáculo é rico de mensagens para quem quer ver e ouvir. Para quem não quer tanto sentimento, pode só rir mesmo, relaxar, também é engraçado. Tenho reparado que as comédias estão aproveitando e dando ótimos recados: ame, seja amado; seja sincero; seja bom, e um pouco louco. Uma pitada de loucura muda o mundo para melhor. Será a receita para ser feliz?
A melhor surpresa da noite foi Carolina Ferraz. Arlete, sabemos que é divina. Na alegria e na tristeza. Ivone, idem. Thaís dá seu recado à altura das demais, mais experientes que ela. Mas Carolina... Carolina é tudo. Bela, elegante, engraçada,e louca. Novamente a loucura fazendo a diferença. Sem freio, entrega-se, e conquista. Torcemos pelas mulheres que representa. Sua voz é tão especial quanto sua interpretação, alta, cheia da verdade do seu personagem, e vem com uma força que não cabe no seu corpo esguio. Uma atriz com essa voz não deve sair de um palco; é um presente ouví-la pessoalmente. Ao vivo, Carolina é melhor, muito melhor que reduzida a uma tela plana.
Amores, perdas, vestidos. Ouso carinhosamente batizar de Amores e Vestidos. Esqueça as perdas, elas ganharam em todas.

Um comentário:

  1. Já tinha lido sobre essa peça mas não sabia se era realmente boa. Agora me deu vontade de assistir! Vou!!!

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